quinta-feira, dezembro 11, 2008

O Ponto Cego

Lya Luft
São Paulo
Editora Mandarim
HISTÓRIA DE
Mãe e de Menino
Eu que invento e desinvento, eu que manejo os cordéis, eu decidi parar de crescer. Foi quando minha Mãe não procurou logo por mim naquele jogo. Ela não entrou na brincadeira: não se interessava mais.

Isso foi antes de recebermos a visita que faria saltar dos espaços brancos tudo o que lá se ocultava.

Minha Mãe foi-se cansando de mim, de nossa cumplicidade. Ou da vida que levava. Sabia que havia rumos a decidir e restava-lhes menos tempo para minhas constantes necessidades, pois eu a exigia muito e ela se exigia o tempo todo.

Talvez ninguém seja culpado: meus cálculos podem ter dado errado, minhas manobras falharam, o devorado era o que deveria ficar inteiro, e o sobrevivente foi aquele que deveria ser engolido.

Notando o desinteresse dela, disfarçado mas real e do qual nem ela se desse conta, pensei que se ficasse para sempre pequeno eu teria mais chances: o que resta a uma Mãe senão cuidar do se Menino?

Além do mais, sendo adulto eu perderia a minha perspectiva, as possibilidades de inventar se afunilariam, e se fechariam as portas daqueles corredores.

Eu não queria ser como meu Pai, que pensa que tudo controla mas deixa escapar o essencial. Então tomei a minha decisão.

Meu corpo obedeceu quando eu o reinventei; mas não como fora planejado. Parou, mas não de todo; e não se sustou direito. Em algum momento errei a fala, fugi do roteiro, botei fora o papel pensando que ainda mão era indispensável. estranhas mudanças começaram a acontecer em mim, essas que nem eu entendo mas sofro.

Cada dia sinto que fiquei alguns milímetros diferente. Um pouco maior? Menor ainda? A pele muda de textura, tudo me dói. Se eu continuar crescendo, ao contrário do que projetei, mas minha pele não se esticar? Se ela rachar e se fender... se eu explodir?

O que vai ser de mim? Eu me pergunto isso todos os dias, uma porção de vezes. O que vai espirrar nas paredes, o que vai-se derramar no chão: a merda ou o sonho?

O tempo que rói e corrói precisa ser reinstaurado, quem conta histórias pode sobrepor muitas camadas de imaginário e real pois sabe que os limites são tênues e poderosa a liberdade com todos os seus perigos.

(É isso que eu faço. Eu manejo as minhas criaturas, invento e desinvento, e faço acontecer.)

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