sexta-feira, julho 31, 2020

Ensaio sobre Consumo

Tenho vivido, como muitos, com as emoções à flor da pele.

Outro dia saí de casa no horário do almoço, com a desculpa de que tinha de ver uma mesa de jantar antes de comprar.  Vi. Não enxerguei, porém. Deturpada com a serotonina de sair de casa com uma boa desculpa, olhei pra mesa, mas ela não olhou pra mim. Não calculei nada. Nem medi a pobrezinha que viraria meu martírio. Paguei na hora, por transferência bancária.  O vendedor e eu riamos, insólitos, das facilidades da moderneza dos tempos, onde não é necessário andar com dinheiro ou usar as abusivas taxas dos bancos presenciais. Ele me ajudou a baixar o banco do carro e fui embora, feliz da vida, com uma mesa nova pro meu lar.

Cheguei, desci com a mesa, subi os vãos de escada com certa dificuldade devido à falta de exercícios físicos na quarentena.  A estacionei por de cima de uma porta de madeira que hoje "enfeita" a minha sala de estar.

Aproveitando o ensejo, no mesmo dia já estava a navegar pela internet, buscando freneticamente por novas mesas, abajures, enfeites de mesa posta, etc.

A noite meu marido comentou, sem pretensão alguma:

- Adorei amor! Só achei meio pequena...

|GATILHO|

Comecei a me arrepender da compra. Me senti mal.

- Fui tão impulsivana!!!

Era aquilo mesmo?  - Chorei.

Não chorei só, não. Chorei grandão, com soluços e uma boa dose, creio necessária , de auto piedade.  Senti muita pena de mim mesma, me achei boba, feia e fútil.

Mas (!!!) - Coloquei na minha cabeça que, passado o remorso, compraria outra mesa. Agora sim, acertaria nas medidas, no tamanho conforme a minha necessidade, tudo certo. O mal-feito?
- Folha-se.
Não dava pra desfazer.  Faria a compra o mais cedo pela manhã. Já eram 2h e tinha de dormir.

Manhã do Dia Seguinte

Não comprei outra mesa. Vi várias, levantei os preços.
Discuti o assunto com algumas pessoas e, pronto, decidi: a mesa minúscula iria pro quarto de home office - agora tenho um desses em casa: Seria útil por lá. E para a sala de jantar?  Sim, uma mesa nova! Pra quando?  Pra qualquer dia desses. Com calma, sem apressar o andar da carruagem, ja tão confuso nesse momento.

Tarde do Dia Seguinte

Numa conversa com uma amiga, contei como estava me sentindo volátil. Falei sobre como esse novo tempo era desafiador e como estava difícil administrar a ansiedade.

Eis que ela me diz, em desabafo:

-Amiga!!! Sabe o que eu fiz ontem? Gastei mil reais no cartão de crédito numa compra de supermercado, acredita?
- O quê você comprou? - questionei.
- Lanche! Acredita? Agora não vou mais poder pintar meu apartamento!!!

Eu achei graça. Não dela. De mim. Senti-me abraçada. No final rimos muito e falamos sobre os nossos aprendizados. Desligamos.

Noite do Dia Seguinte

Sozinha, abri meu vinho preferido e me servi delicadamente uma taça generosa, enquanto enchia a banheira. Joguei na água quente um pouporri que estava guardando há anos. Coloquei Nina Simone no celular, deixei teimosamente o roupão caído no chão. E entrei. Ajeitei os enfeites da prateleira, acendi um cigarro. Acendi a vela de alecrim e apaguei as luzes.

Respirei fundo e pensei: Lanche eu não tenho. Mas pelo menos eu tenho uma mesa.

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