segunda-feira, novembro 17, 2008

Parede, parada, imóvel. Mutante.


Hoje até parece que ele fez questão de vir mais cheiroso que o comum, mais diferente que normalmente, mais colorido. Mas nem isso fez meu olhar pasmo na mesmice enxergar diferente.

Parada no ônibus vejo os carros em movimento de inércia em relação ao meu olhar, estático, travado. Um fusca branco me lembra infância. Lembra-me a filha Íris de uns amigos da minha mãe. Ela nunca teria um namorado, enxergaria cada vez menos, teria os músculos cada vez mais atrofiados e, mesmo com os óculos fundo de garrafa e a distância de um metro da TV, a faziam reconhecer o vulto de Silvio Santos. Ela, quando mais nova (nunca soube a idade de Íris e nem mesmo sei se ainda é viva), costumava ficar com a língua pra fora da boca, como uma menina bobona, seus gigantescos óculos de grau e o tampão em uma das vistas. Na parte de trás do fusca branco do seu pai. Nem Íris me fez sair dali, do meu espaço intocável.

Cuidar de idosos geralmente é algo muito lindo, muito complicado, muito caridoso, muito cansativo, muito belo... Uma doação. Uma benção. Mas minha agilidade em trocar as fraldas, limpar o que deve ser limpo, manejar dentaduras, dar banho, arrumar a cama e dizer ‘abre a boca pra tomar o remédio que você cuspiu’ me fizeram robótica demais. É uma obrigação minha além das outras. Todos os dias tenho que fazer isso. Inevitavelmente.

Olho para o calendário e vejo que ainda faltam 58 dias. E parece que nunca passa. O tempo resolve, às vezes, seguir seu próprio caminho. Pelas pedras ou pelas ruas bitoladas de gente que não me toca o coração. Gente feia, gente bonita, gente alegre, gente pobre. Vejo e só. Vejo. Mas nada que me faça, hoje, sair do meu lugar, como se em estado de choque eu ousasse: “mas como pode?”.

Lábio leporino, HIV, Era do Gelo, Ditadura, Obama, campanhas de Marketing, gente morrendo, gente nascendo. Escuto gente tocando sax e acho lindo. Mais lindo que a banda inteira junto. E naquele samba eu poderia bailar a noite inteira sozinha com meu vestido longo, descalça, ao som da flauta doce, do baixo, da sanfona e de cada instrumento em separado. E naquele dia eu queria estar lá pra gritar ‘fora collor’ com as listas pintadas no rosto e sentindo que fazia a diferença. Mas era muito pequena.

Eu vejo tudo em quadrados. Eu tomo muitos remédios. Eu conheço muita gente assim. Mas elas não me comovem hoje. Elas não me tiram o olhar agarrado no nada. Elas não me rodeiam com cantigas de ninar ou batuques descompensantes. Nada.

Mas, se flerto uma zabumba de longe no meu ouvido... Vou logo andando sem avisar. Farejando como se tivesse que procurar o que sei que está bem ali. Mas é bom, aí é bom olhar para todos os lados, na certeza de descoberta. ‘Um projeto social? Ó, que bacana!’. E pronto. Idéias a mil.

Escrever e ler tem me tirado o sono. O primeiro porque não o faço mais. O segundo... Bom o segundo tem haver com uma menina chamada Laila, de 9 anos de idade que entrou na minha cabeça, pulando num salto só direto daquele livro da capa alaranjada para o meu dialeto e meu compromisso em saber toda a sua história. Aí leio muito. Quando posso ler, quando deveria estar em plena meia noite de sono depois de um holocausto, e durmo pouco. Pouco a ponto de quase cerrar meus olhos agora, hora de ficar acordada.

E nem meus olhos coloridos mudam de cor quando chove ou faz um sábado de sol. Um arco íris, imagino, talvez o possa. Mas não vejo nenhum por aqui. Aliás, não vejo muito, nem escuto muito. Meu maior prazer tem sido dirigir e sambar sem quê nem porquê. Correr já não me agita, encontrar com uma grande turma de amigas dos velhos tempos não me tira suspiros.

E hoje, que parece que ele veio todo de branco pra me deixar bamba, queria até bambear as pernas. Correr o risco de cair, de ficar com vergonha e enrubescer a face. Mas nem mesmo a ligação do outro que sabe-se lá o que queria tanto dizer (meus ouvidos viam pessoas nas ruas e nada mais) me tocou, mesmo que sutilmente.

Não espero algo que me toque. Mas se algo me tocar, aí sim, como que num conto de fadas deixarei de ser estátua da minha vida e começarei a agir, andar e até aprenderei a sambar. Um samba que não seja somente balançar os pés. Um andar que não seja somente o meu atual perambular, mas correr, pular, voar! Sair daqui.

Aqui tá ruim e feio. Não quero mais. Nem mesmo esperar.

Se algo que quero que me toque... Que EU me toque já.

Um comentário:

  1. Anônimo01:24

    Eu sou do tipo que acha que cada um faz a sua história, que ficar esperando Deus descer do ceu para escolher os bons é pura besteira. Quando a coisa tá ruim, tento mudar; se não muda, tento me adaptar; e se não me adapto, digo "foda-se"! Como diz a Elis, "viver é melhor que sonhar". Bjus e boa semana.

    http;//so-pensando.blogspot.com

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