Gostaria muito de acreditar, de fato, numa velhice feliz. De uma velhice saudável, cheia só de energia, família, netos, bisnetos, potência física.
Vá lá um velhinho de 94 anos, com corpo atlético, correndo no calçadão de Copacabana, de boné, óculos escuros, MP4 e medidor de freqüência cardíaca (indicado pelo seu cardiologista de confiança).
Ou veja lá a senhora de 87 de experiência, batom vermelho, algumas interferências cirúrgicas, botox, tomando uma cervejinha de almoço de domingo enquanto assiste a mini-peça de teatro que seus pequenos da família apresentam usando vestidos e sapatos das mães e pais.
Mas até o seu João, maratonista, 94, perdeu uma pouco da mobilidade da perna esquerda, perdeu amigos de infância, o gingado conquistador com as moças. E está um pouco cansado em ter que comprovar o que todos dizem: que é um senhor com muita disposição. Às vezes ele só quer ler o jornal de domingo deitado numa rede ao lado do seu companheiro fiel, o gato Romeu.
E Dona Margarida sente saudades da amiga Josefina, do grupo de Ioga da terceira idade do SESC, que há tempos não freqüenta, devido ao seu problema de osteoporose. Mas o que mais incomoda são os lapsos de memória que lhe ocorrem de tempos em tempos. E nem mesmo os lembretes colados pela empregada na geladeira adiantam quando chega o aniversário da filha ou quando é dia de fazer a feira porque já não tem mais maçãs ou laranjas.
Memórias lapidadas com alguma saúde mental e física são minoria ínfima.
Imagine Dona Silvya, 90, costureira, pensionista vitalícia do falecido Brigadeiro do XII Comando Militar do Batalhão de Choque do Exército, poliglota, alguns derrames, infartos, erros médicos, muitas internações, pressão alta, que já foi à Disney, à Roma, à Paris, México, Cruzeiros Marítimos, 4 filhos, 7 netos e um bisneto...
Imagine esta Dona Silvya, que descobriu que Dona Augusta, vizinha há 45 anos, acaba de ser levada já sem vida pelo SAMU. E recebe a notícia que sua filha vem da Cidade do México para Belo Horizonte visita-la e rever a família (mas todos sabem que é porque Dona Silvya não anda bem e temem que, se não vier logo...). E esta Dona Silvya se vê em pé de guerra com o menino de 8 anos que lhe diz: “Saia do meu quarto!” e ela responde “A casa é minha” e estabelece-se uma briga de galos. Ela, ao deitar-se à noite, depois de trocar a fralda geriátrica, tomar o remédio da pressão, da depressão, da contenção de urina, do estômago, entre outros, chora porque sabe que discutiu com o menino de 8 anos como se ela mesmo tivesse 7. Sabe que todos pensarão: “Velhos são iguais às crianças, mas a criança a gente pode dar umas palmadas e colocar de castigo... O velho não. É um peso...”. E pensa se o tempo demorará até chegar o seu fim neste mundo, apesar de ter muito medo da morte e do que vem depois dela... Mas não completa o pensamento porque não deu tempo de chegar ao banheiro e sujou-se antes mesmo de levantar da cama. E tem vergonha de pedir ajuda. Mas pede. E apesar de receber ajuda, é uma ajuda de cara de sono, de cara de quero dormir, de cara de que saco e cara de será até quando, senhor? E volta para a cama, mas não consegue uma posição confortável e sente sede. Dorme com sede.
Alimentos saudáveis, exercícios, não beba, não fume, não use drogas, durma cedo, Deus ajuda quem cedo madruga, contato com o bichos, jogue cartas, monte quebra-cabeças, seja ativo, jogue lixo no lixo... Não tome refrigerantes, faça exames regularmente, vacina disso, vacina daquilo, muletas, comidas sem sal, muita água...
Conselhos para uma vida duradoura. Para seu João, 94, Dona Margarida, 87 e Dona Silvya, 90.
Gostaria muito de acreditar, de fato, numa velhice feliz. De uma velhice saudável, cheia só de energia, família, netos, bisnetos, potência física.
Gostaria muito de acreditar que perder é ganhar e que os velhinhos não sofrem absolutamente nada pelo fato de terem ficado velhos (apesar de discursos fanáticos, ideológicos e utópicos de alguns defensores da “Boa Idade”).
Desculpem-me o ceticismo.
Queria muito acreditar que a velhice pode ser só alegria. Só contentamentos. Mas não acredito. E gostaria muito de tirar todas as dores físicas, psicológicas e espirituais dos que passam por esta fase da vida.
Tirá-las, principalmente de minha avó, Dona Silvya, 90.
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