sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Padecer

Outro dia destes nos sentamos na cama. Meu filho, 08 anos, 3° série do ensino fundamental, o pai dele, não interessa a idade, arquiteto e eu, mãe. Nestas horas sou só mãe. Não interessa se me formei em administração, se pós graduei em jornalismo e cultura, se trabalho com comunicação visual, se desenvolvo trabalho de produção cultural, se estou com fome, se sonho em ter a minha empresa, se gosto de havaianas e all star vermelho. Sou só mãe.

Sentamos-nos na cama do meu filho. E começamos a distribuir papéis. Quem fala e quem escuta. Eu falo, a princípio. Melhor, indago: “E aí?”. E o pai, arquiteto, “solteiro no rio de janeiro”, desimpedido, livre como um grilo e cheio de energia para sair com os amigos o dia que bem entender, responde: “Bom... Vamos falar sobre a rotina do menino e definir os horários de TV e coisa e tal patati patatá...”. E falou que achava que o menino deveria assistir somente duas horas de TV por dia e que concordava com o combinado que já tínhamos feito, o moleque calado e eu, mas que gostaria de fazer algumas ponderações. Ele fala, eu escuto e o menino... Já nem presta atenção ao fato.

Depois de alguns minutos falando, com algumas interpelações minhas sobre a alimentação e tal, declarou a conversa encerrada: “Então, filho, amanhã eu ligo para saber se você cumpriu com o combinado, viu? E se prepare porque vou fazer inspeções surpresa na mochila e no seu material! Falou? Toca aqui! Tchau, mãe.”. E foi-se embora para Passárgada, o “não lugar”, onde alguém deve ter perdido as botinas. Isto porque, desde então, não houve ligação do dia posterior ou as devidas inspeções...

Casos omissos à parte, eu, mãe, readquiro minhas funções extra-maternais, como profissional (fui separar a roupa para o trabalho do dia seguinte), estudante de teatro (fui decorar as falas da mulher da janela de morte e vida Severina), filha (fui fazer a programação do cartão da minha mãe), neta (fui trocar as fraldas da minha avó), pessoa que estuda (fui pesquisar mestrados em antropologia na net), pessoa normal (fui tomar banho, escovar os dentes, fazer as unhas, etc.) e, como não poderia deixar de ser, dei uma de mãe: arruma as coisas do menino, confere o para casa, arruma a mesa do café da manhã, mede a febre, pinga o colírio, limpa o pé sujo, manda escovar os dentes de novo, lê, canta, dorme abraçada, dá beijo de boa noite e, enfim, dorme.

Quando dorme, se dorme, sonha com todas as coisas que tem que fazer no dia seguinte: namorado, filho, mãe, avó, empregada, banho da cachorra, cerveja com as amigas, contatos com produtores, ahhhhhhhhhhhhh! Sono pesado.

Aí acorda.

Ser mãe é padecer no paraíso. Não é?

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