Sabe quando você abusa da sorte e fica só sentindo o cheiro amendoado doce macio e, com medo de ser enforcada acaba se entregando sozinha?
Sabe quando acha que o seu peito de aço suporta qualquer tentativa de se apaixonar e descobre que há brechas em todos os lugares e buracos invisíveis a olhos sem encanto até você se encantar?
Sabe quando você já tem apelidos e já deu apelidos e já esqueceu antigos apelidos que ficaram em outras relações já mais que antigas e que, coitadas, ainda tentam existir?
Sabe quando você se olha no espelho e, se não fosse você mesmo, meteria a cara na fuça arrogante que você tem e diria “não avisei”?
Sabe quando tudo ainda tem o cheiro amendoado doce macio sorridente até tristonho que te traz aquela paz?
Sabe quando você tenta, de novo, colorir os momentos que se foram e que deixou de viver por motivos bestas quaisquer? E não consegue mais ser o poeta daquela noite em que se conheceram e que foi tudo muito doce, amendoado e macio?
Sabe quando você ainda tenta entender quando foi que as coisas mudaram e a maré tomou outro rumo e em que espaço de tempo você se perdeu e não mais se achou?
Sabe quando você sabe que talvez seja a hora sensata de se retirar, mas, ao mesmo tempo, mesmo chorando, você quer viver cada mísero instante final talvez por martírio, talvez por solidão, talvez por paixão?
E sabe quando você escuta e vê que o tempo passou, mas não entende quando o tempo passou e porque ele não te avisou apesar de todas as vezes que ele lhe disse claramente que passaria?
Sabe quando você vê que deveria ter dito todas aquelas coisas arriscadas que davam voltas no seu coração e agora não sabe se diz, se grita ou se chora?
Sabe quando você se sente inútil porque tem uns “eu também te amo” agarrados que te sufocam, mas não vêem mais para onde?
E, por fim, sabe quando você só quer escutar aquela música, dançar aquela pele, dormir naqueles braços, rir daquela risada e sentir aquele cheiro doce amendoado macio que insiste em te acompanhar a todos os lugares?
Porque, se ainda não sabe, ele está impregnado na sua roupa, no seu cheiro e no seu coração idiota que se deixou apaixonar!
Pois é...
Ter ou não ter namorado, eis a questão
ResponderExcluir(Atribuído a Carlos Drummond de Andrade,
mas é de Artur da Távola)
Quem não tem namorado é alguém que tirou férias remuneradas de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabira, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado mesmo é muito difícil.
Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio, e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa ser parruda ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.
Quem não tem namorado não é quem não tem amor: é quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento, dois amantes e um esposo; mesmo assim pode não ter nenhum namorado. Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas, medo do pai, sanduíche da padaria ou drible no trabalho.
Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar lagartixa e quem ama sem alegria.
Não tem namorado quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com a felicidade, ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de curar.
Não tem namorado quem não sabe dar o valor de mãos dadas, de carinho escondido na hora que passa o filme, da flor catada no muro e entregue de repente, de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque, lida bem devagar, de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada, de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia, ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo, tapete mágico ou foguete interplanetário.
Não tem namorado quem não gosta de dormir, fazer sesta abraçado, fazer compra junto. Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele; abobalhados de alegria pela lucidez do amor.
Não tem namorado quem não redescobre a criança e a do amado e vai com ela a parques, fliperamas, beira d'água, show do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro.
Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos, quem não se chateia com o fato de seu bem ser paquerado. Não tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir quem curte sem aprofundar. Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada ou meio-dia do dia de sol em plena praia cheia de rivais.
Não tem namorado quem ama sem se dedicar, quem namora sem brincar, quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele.
Não tem namorado que confunde solidão com ficar sozinho e em paz. Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.
Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando 200Kg de grilos e de medos. Ponha a saia mais leve, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesma e descubra o próprio jardim.
Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenção de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteio.
Se você não tem namorado é porque não enlouqueceu aquele pouquinho necessário para fazer a vida parar e, de repente, parecer que faz sentido.
Preciso dizer mais alguma coisa?
Sim, preciso!
Amo-te!