sábado, dezembro 02, 2006

Batedor de Cartão

João Carlos era funcionário da empresa há muitos anos. João Carlos era um funcionário estável e eficiente em relação às suas tarefas do dia-a-dia.

Trabalhava, todos os dias, de oito às dezoito. Sem exceções. Não chegava atrasado e não saía mais tarde. Batia o cartão na hora do almoço e fazia regularmente os seus setenta e dois minutos de intervalo no mesmo restaurante. E era servido pelo mesmo garçom.

João Carlos ligava seu computador, abria seus e-mails, respondia, atendia ao telefone, ia à sala do chefe, almoçava, fazia relatórios, tomava seu café da tarde, fumava seu cigarro da tarde, dava boa tarde pro chefe e batia em disparada. Às dezoito horas. Todos os dias.

João Carlos sabia separar bem a sua vida profissional da pessoal. João Carlos não levava trabalho pra casa, afinal, não era pago pra isso. João Carlos não ia às reuniões fora do expediente, afinal, não era pago pra isso. João Carlos não pensava em trabalho enquanto tomava o seu café da tarde, afinal de contas, não era pago pra isso.

João Carlos reclamava seus direitos de empregado e cobrava os deveres do empregador. Falava mal do chefe em casa. Sorria para o chefe no escritório. Conferia seu décimo terceiro, férias e abonos. Mas não era pago pra isso.

Ninguém poderia reclamar do trabalho de João Carlos. Tudo que lhe era pedido era feito. Desde que fosse pago pra isso. Afinal, eram os seus direitos.
João Carlos, um dia, conheceu Felipe. Cinco anos mais novo e com muito mais disposição e energia. Felipe era um besta. Trabalhava além do horário, levava planilhas para casa, não reclamava do vale transporte e, ainda por cima, sugeria mudanças e melhorias. Felipe era mesmo um besta. Tão, mas tão besta, que foi promovido.

Mas João Carlos, não. Não seria bobo como Felipe. Não faria nada além daquilo que era pago pra fazer. Eram os seus direitos.

Enquanto isso Felipe desenvolveu novas tecnologias, fez pesquisas de mercado, elaborou metas desafiadoras para a empresa, criou um setor de comunicação coorporativa e foi promovido de novo. Um besta.

Algum tempo depois João Carlos foi mandado embora. Com todos os seus direitos. Ficou chateado. A empresa fora, obviamente, injusta com ele.

João Carlos se aposentou. E, de casa, comendo pipoca em frente à televisão, via, de tempos em tempos, Felipe, 45 anos, sendo entrevistado enquanto cortava a cordinha de inauguração da sua décima filial, agora no Japão. E se lembrou de como Felipe fora um besta no início da carreira. Agora deve ter aprendido. E ainda pensou:


- Quanto será que pagaram a ele para cortar aquela cordinha?

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