Quando eu era pequena, por volta dos oito ou nove anos, era apaixonada por um garoto da escola, Thomas. E, como não podia deixar de ser, ele era o mais belo, mais inteligente e mais popular garoto da escola. Um desafio e tanto. O meu amor por Thomas era algo que me tomava vários sonos e me provocava várias bochechas rosadas. Era tão difícil aceita-lo e enfrenta-lo (o amor) que, em vez disso, eu preferia soca-lo (o Thomas). No sentido literal. Sempre que me sentia ameaçada (quase sempre que ele estava por perto) eu lhe dava um soco na cara. Ou no ombro, no braço, na barriga e qualquer outro lugar que meus punhos cerrados acertassem (nunca fui boa de briga). Era essa a minha forma de lidar com a vergonha que assolava meu primeiro amor.
E quantas outras vergonhas ainda viriam... O que aprendi? Além de não socar o amor da minha vida? Que queremos sempre inverter o “aparentamento” do nosso verdadeiro sentimento quando ele é muito conflitante! Por exemplo: Sabe quando você vê o seu ex-namorado conversando com aquela vizinha loira gostosa e morre de ciúme mas não admite e ainda diz “ainda bem que dispensei esse traste!”? Pois bem.
Parada do orgulho gay, bairros negros norte americanos, passeatas de pessoas deficientes e tudo o mais que as minorias saem gritando e se defendendo, muitas vezes antes que ataquem. Não, não sou contra nada disso. Acho mesmo que o preconceito é um conceito pré-definido para tudo que não conhecemos ou, pelo menos, que dizemos não conhecer e que não devemos tolerá-lo. Somos todos iguais, com pernas, sem pernas, hetero, homo, garis, engenheiros, ricos, pobres, bandidos, esquizofrênicos, malucos, normais, presidentes, terroristas... Somos contra o homofobismo, o racismo, a falta de rampas, a má distribuição da renda, o fanatismo religioso, etc. Somos. Somos todos “humam been”.
Mas quando eu era menina eu socava o mais lindo e perfeito dos meninos, o Thomas.
É mais fácil levantar uma bandeira que me aceitar assim, estranha como sou? Vamos agredir todo mundo, porque tá na moda! Você e contra o quê? Lembre-se que você tem que ser simpatizante da causa que vai defender. Tem amigos gays ou é gay? Alguém da família é negro ou índio? E italiano? Chinês, japonês? Usa cadeira de rodas, já morou nas ruas, é evangélico, budista ou ateu? Vamos mandar fazer uma camisa e um desfile fashion contra a matança do pantanal. Quem não fizer parte de alguma causa tá out, por fora, velho, careta!
Daspu?
“Alo, alo, marciano! Aqui quem fala é da terra. Mais uma vez estamos em guerra...”Já dizia Elis.
Daspu? Lindo! Brilhante! Vamos, todas las putas! Vamos gritar a nossa liberdade! Liberdade de expressão, seu ministro. Dizer “puta”, “prostituta”, “garota de programa”, “mulher da vida fácil” da tudo no mesmo. Elas todas não fazem a mesma coisa? Mas, olha, seu ministro, que lindo! Liberdade! Sem medo de ser feliz. Mulheres modernas. Felices! Elas querem ser legalizadas! Elas querem pagar impostos e ter aposentadoria, seu ministro.
Ó, intelectuais e colunistas de jornais. Acho que as pessoas têm que ser valorizadas pelo que são, pelo seu eu interior, pelo seu valor de vida, pelo seu direito de ir e vir, pelo que querem ser. E se o leitor ficou muito incomodado com o que leu até agora pense que eu e você podemos nos tornar (porque não somos, é claro que não) pobres, negros, índios japoneses, viciados em drogas, “da vida”, deficiente e gay. Mas não perdemos o nosso valor. Ou perdemos?
Então, minorias, vamos celebrar a vida como ela é.
Só vamos tomar cuidado, porém, para, em vez de festejarmos, não acabemos por perceber que estamos mesmo é socando o Thomas.
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