quarta-feira, junho 17, 2009

"E pela minha lei, a gente era obrigado a ser feliz..."

As contrações começaram num dia 15 de Junho de 1999. Madrugada. Eu não sabia bem se eram fincadas ou marteladas que se espalhavam pala minha barriga como cólica de gigante e alcançavam minhas costas e ia por todo corpo... Mas eram dores de vida nova. De menino querendo sair de mim. E rápido.

 

Mas durou muito tempo. E já no dia 17, dois dias infindáveis depois, marcamos com o Dr. José Sávio de nos encontrarmos na maternidade. Eu tomei cinco banhos naquele dia. Entre sete e meia da manhã e meio dia. Foram cinco banhos. Eu não sabia mais o que fazer. Só andava pela casa. Não conseguia comer, ler, ver TV ou qualquer outra coisa. Esperava a tempo demais. E a dor era mais forte que toneladas no corpo.

 

Contava as contrações, que deveriam vir cinco de 10 em 10 minutos. Mas vinham quatro certinhas e uma quarenta minutos depois. Ou três em dois minutos e outra uma hora e quinze depois. Então não sabia o que fazer.

 

Todo mundo me ligava e eu não queria atender. Não queria falar com o pai, não queria falar com a sogra, nem nada. Ficava dando voltas atrás da Márcia, que trabalhava lá em casa, enquanto ela contava dos cinco partos naturais e sem anestesia que ela teve. E eu sentindo dor e tomando banho. E andando.

 

Era engraçado que eu ainda conseguia ter algum senso de humor... Juliana, a madrinha, foi me visitar e levou várias revistinhas da Turma da Mônica (sempre gostei). Eu olhei pra ela e sorri. “Você nunca vai saber até ter o seu...”, pensei. Liguei para a Tia Camilla logo quando entrei no carro rumo ao lugar onde tirariam o menino e a dor de mim. Disse “Tá coroando, Camilla, tá saindo, ai, ai!”. Como eu poderia fazer piada uma hora destas? Ela ficou desesperada, como era de se esperar e me disseram que passou até mal depois.

 

E o menino lá. Querendo sair e eu implorando que a saísse logo, pôxa! Sabotagem me fazer sentir isso por dois dias!

 

E na maternidade... Ai, que beleza. A dor tinha piorado. Mas estar na maternidade com meu médico era um tranqüilizante leve. Ele ia tirar o menino de lá.

 

Achei que seria rápido. Estavam no quarto o pai, as avós e o médico. Contavam piada, se divertiam. E eu me contorcia naquela cama idiota. Aí eu era só mau humor. O efeito do Dr. José Sávio já havia passado. E eu queria muito uma injeçãozinha de qualquer coisa que me aliviasse. Mas não podia. As contrações idiotas ainda estavam irregulares! Pôxa vida, menino. Nem dois dias depois você conseguiu se arrumar por aí? E vou dizer: deitada dói mais. E eu nem podia ficar em pé.

 

Chega o médico com uma coisa que mais parecia uma faca. E disse: “Não se assuste, não vai doer”. Ai, mas que coisa! Lógico que me assustei. Ele enfiou aquilo em mim e chuá! Um mar de água quente se derramou em mim. Concordo que lá deveria ser bem quentinho e melhor do que o inverno que se passava do lado de fora. Aí o menino começou a se mexer de uma maneira bem estranha. Devia ser incômodo, não?

 

Foi quando, de repente, me levaram para a sala de parto. Aquelas luzes de teto de hospital são mesmo aterrorizantes. Aí veio o anestesista. Ô maravilha! Nem sei o nome dele. Mas orei por ele. Homem santo. Deu-me adeus pra dor. Alívio!

 

Aí a gente esperava. Eu dizia ao Rubens: “Vai lá chamar o médico! Por que estamos esperando aqui? Esqueceram a gente!”. E ele, com aquela máscara de hospital por cima da sua cara de moleque... Era engraçado. Aí voltei a conversar. Se bobear até contamos piadas, sei lá.

 

Chegou o médico. Troca de maca, empurra, puxa, deita. Agora vamos começar. “Faz força”, frase típica! Deveria ser abolida, porque quem toma peridural não consegue fazer força! Mas tá eu lá fazendo força e o Rubens fazendo força por mim. Deve ser a maior sensação de impotência do homem... Não conseguir estancar o sangue, não conseguir evitar a dor, não poder fazer a força e nem resolver os problemas que podem acontecer num parto. Como aconteceu no meu.

 

Estava tudo indo muito bem. Até que uma enfermeira subiu em cima de mim pra me ajudar a fazer a tal força que de mim não saía. Deixou um roxo em forma de bola. Era seu cotovelo na minha barriga. Dr. José Sávio, sempre tão tranqüilo, estava vermelho e eu via seu suor e suas veias saltando pra fora. E reparei que todos corriam de um lado para o outro e começavam a dizer códigos. “Ai, Rubens, o que está acontecendo?”. Ele também não sabia. Mas não largava a minha mão. “Fórceps”, foi o que eu escutei.

 

O meu filho, curioso desde sempre estava com a cabeça pra fora, em vez do cocuruto, e não saía. Tava lá, de olhinhos abertos, piscando, entalado. Menino curió. Aí pegaram o fórceps, colocaram na cabecinha dele, fizeram algumas manobras, vira de um lado, de outro e puxa. Saiu a cabeça. Ufa. Metade da minha barriga também desapareceu. Depois um ombrinho, o outro e vlup! Saiu escorregando o menino todo.

 

Cinco ou oito segundos. Eu, tal qual galinha despenada, naquela posição horrível, Dr. José Sávio tirado o resto da placenta, as pessoas já não corriam mais, Rubens paralisado ainda segurando a minha mão. Segundos eternos. Aí ele chorou. Ufa! Todos os dedos, todo perfeitinho, todo certo. Relaxei. Deitei a cabeça e percebi o quanto estava cansada. Queria dormir. Mas o menino estava ali! Ali tão perto! Ai, o menino. Meu menino! Diego. Era o nome que escolhi pra ele.

 

Uma outra enfermeira perguntou: “Uai, crianças! Vocês não vão tirar foto, não?”. Eu só olhei. Só olhei para o Rubens com a máquina na mão. Eu queria fotos do parto todo, da cabecinha dele saindo, do cordão umbilical sendo recortado em pedacinhos cinzas nojentos. Mas ele esteve por perto o tempo todo. Foi melhor. Não me senti sozinha nem desamparada. Acho que ele nem sabe disso. Só deve ter ficado assustado e nem deve ter lembrado das fotos que pedi. Mas foi o companheiro de parto que Deus mandou pra mim. E olha que eu precisava mesmo. Então ela tirou umas duas ou três fotos só pra constar. Constou tudo, inclusive. A minha cena patética, a placenta e o sangue no lixo...

 

Aí avisaram que já tinham limpado o menino e que o trariam pra mim. Ah! Comigo eu tinha certeza que não ia acontecer o que acontece com todo mundo, isso do bebê sentir o cheiro da mãe e parar de chorar. Mas eis que a natureza, mais uma vez dá as caras. Ele veio embrulhadinho numa coisa verde, limpinho, de olhos abertos e cara enrugada. Chorou por uns dois segundos. Aí parou. Parou. Assim do nada, oh, parou! E olhou pra mim com seus olhinhos piscantes de um jeito que nunca vou me esquecer. De um jeito que enche os meus olhos de lágrimas hoje ainda. De um jeito de “eu sei que é você, mamãe”. Aí eu também dei uma choradinha e cutuquei o pai: “ele tá olhando PRA MIM, Rubens, viu? Ele TÁ OLHANDO PRA MIM!.

 

Rubens levou o Diego lá pra fora para conhecer as avós, Vó Nhanha e Meinha. Foi quando eu adormeci. Elas estavam ansiosas. Porque o parto demorou mais que o previsto, porque ninguém dava notícias, porque poderia ter acontecido alguma coisa e sei lá. Mas dizem que uma das cenas mais bonitas que viram foi o pai carregando o menino nos braços como se carregasse a pedra mais valiosa. E era mesmo.

 

Acordei indo pro quarto. Lá recebi várias visitas, vários presentes. É impressionante como a vida nos acorda e nos surpreende. Recebi cestas de frutas, de chocolates, recebi Tia Camilla, Tia Juju, família e amigos. Tudo se estende. Família e amigos dos outros.

 

Eu era a radiação em pessoa. Meus olhos brilhavam e eu não parava de falar. Cada um que chegava ouvia com fascinação cada detalhe daquela história que tinha sido um parto. Um milagre, um presente, uma esperança que começava a viver do lado de cá. E que agora queria mamar. E essa foi a melhor das visitas. Meu filho mamou meia hora em cada seio e depois dormiu o sono mais bonito que já vi alguém dormir.

 

Isso foi há dez anos atrás. Foi no dia 17 de junho de 1999. Às 18:06 h, 51 cm e 3,615 kg. E me impressiono como cada dia é um parto também. Cada dia é um sono bonito que vejo, é olhinhos gritando alegria, é criança que preenche a casa e a vida de todo mundo. É o meu menino, o meu Diego. Meu moleque que hoje acordou feliz com seus 10 anos de idade. E disse sentir-se assim, com 10 anos de idade mesmo. Impressionante como fazer aniversário, especialmente, fazer 10 anos de vida podem deixar alguém tão absolutamente feliz. E como vê-lo feliz assim me dá vontade de chorar, como choro agora, também de felicidade. Por ter trago ao mundo a pedra mais valiosa que há de existir. E é mesmo.

 

E hoje foi assim, de novo: “E olhou pra mim com seus olhinhos piscantes de um jeito que nunca vou me esquecer. De um jeito que enche os meus olhos de lágrimas hoje ainda. De um jeito de “eu sei que é você, mamãe”.”.

 

Feliz aniversário, filho. Feliz 10 anos e todos que ainda virão.

 

Carolina, mãe do Diego.

17 de junho de 2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário